quinta-feira, 29 de julho de 2010

de isoladas Saudades


"Que estranho destino é o meu que apenas me consente paixões ardentes e me faz esgotar em amores improváveis."

José Manuel Saraiva

          Passo, ainda jovem, neste perfeito caminho de paixões - se abrasadoras ou não, são erros humanos desprovidos de primor aos olhos meus.

          Passar, atento, sequioso por sentimento que induz a aproximar verdadeiro é repugnar a magestosa situação da paixão - amar temporária e descabidamente dando tudo em momentos poucos. Acções reprováveis.

          Jovem, pálido de tédio, numa procura obstinada. Todos os homens sabem falar da grandiosidade de um destino afectuoso, mas poucos (os poetas e os outros artistas) souberam misturá-lo entre a impressão viva. Enfâse da sensação inclinada à invocação da Morte, este merecedor destino feito de atalhos de um crepúsculo desumano desenhado em horizontes a extinguir.

          Todos os homens, os que falam ignorante e sabiamente, são um desalinho de corpos perdidos em definições que perturbam o pensamento. Os filósofos entretêm-se com óptimas teorias, os restantes dicionarizam uma genética em falta de humanidade racional. Afinal, que destino este de paixões inúteis e amores pseudo-omnipresentes?!

          Estas horas de angústias amorosas desordenam-me de todas as formas – memórias vãs, personagens do meu romance vil, actores que figuram ideias perdidas em meus ombros cansados de enfado e de vergonhas que, a pouco e pouco, assassinaram minha alma.

          Os braços e costelas destas gentes, enquanto ilustrações da existência de facto, sabem ser desprezíveis sem terem mão por onde pegar.

          Com isto, em em resposta ao fastio do crescimento humano que sofro, compro cigarros e fumo-os como quem não sente a vida, como um coitado perdido sem dúvidas que abatam a curiosidade. A dor que sinto, quer seja minha ou não, é um conjunto de sensações que infligem meus gestos como um grande crime a um sujeito sério que nunca passa por uma esquina - decerto que esta imagem não caía bem defronte da Estética confundia por Ética.

          Amanhã esquecê-los-ei. Merecerão medalhão dos tempos idos como troféus vencidos na vingança do sonho que fomos. Sem dúvida... o meu sorriso, de agora, de insatisfação pelo que me haveria de restar diante de todos...

          Ninguém permite a nua visão semelhante àquelas histórias dramáticas, deixadas sem pudor no esquecimento - saco de batatas podres que outrora de entertenimento serviram à pátria.

           Falhei nos amores improváveis por serem colares de pérolas de uma entidade desconhecida que não eu. Estou nítido sem conforto nas minhas mãos embelezadas, no corpo intocável com ares de virgens flores de jardim, nos olhos rasgados de verdes entrelaçados com castanhos, no alcantilado nariz que trago sobrea face aguda.

          Ainda hoje me gozam e pasmam-se pela minha consciência incorpórea e, aos olhos seus, são embustes em formas de pedra para os agredir na segredada emoção pessoal. É um momento indelével com vagos desânimos enormes.

         São as estações indefinidas que me tornam uma magnificência literária com sóis buliçosos de amar. Sim! O Amor e a Paixão desfazem-se em ironias que faltavam no redemoinho da Humanidade, são sonos intensos argumentados como meditações de enclausuras abafadas na irregularidade do sentimento.

          Se é para amar fá-lo-ei com uma própria despedida,

de isoladas Saudades.

Rúben De Brito

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Cabisbaixez

"O micro-conto é uma sequência de pensamentos organizados e sintetizados em breve linhas."

Rúben De Brito

          Reparo, através de uma gótica porta, no corpo cabisbaixo de um senhor grisalho. Pensar-lhe o esboço de ideias é-me impossível de realização com certeza. Todo o ser é complexo, não porque seja concebido em matéria orgânica e inorgânica, mas antes pelos actos de um alvará rubricado numa distância apartada onde tudo já foi feito.

          A Realidade está sempre antes de nós, e antes desta uma espécie de pré-Realidade - impera a pureza da essência de cada corpúsculo existente no que é concebivelmente pensado, mas inconcebivelmente palpável. Atingi contacto com esta forma de certeza onde só os sensíveis conseguem chegar com adesão absoluta e voluntária do espírito do facto, se verdadeiro ou não verdadeiro, se apenas atómico ou se não atómico. O Homem está em toda a Realidade, no que está antes e depois.

          O homem, cabisbaixo grisalho e alto, não mantém conversação em qualquer género; se falar, quiçá, são banalidades cuja natureza permanece tão irrisória que o seu pensamento escapa-se-me pelo vazio entre o Consciente e o Inconsciente, que nunca é senão a Intolerância dos mais sábios perante aqueles que pouco conhecem da Vida - desde conceitos básicos a fórmulas quânticas.

          O homem, cabisbaixo grisalho alto e de corpo esquivo, forma juízos pois é a sua chave d'ouro para uma compreensão trivial de si, desprovida de qualquer desejo e ambição, visível de quietude naquele local; seu destino marcado sobre a face cansada de trabalho e tabaco. Os braços com musculos relaxados, dissolutos de movimentos, parece-me, devido ao tédio quotidiano, e a boca com pele franzida de tanto mexer os lábios de nervosismos.

          O crepúsculo cessa-lhe o ciclo de um dia em que, de igual modo, tantos micro-organismos usufruiram de escassos segundos de vida e, ele, tão velho cansado e cabisbaixo de infortúnio gozou demais um momento de indiferença pura com um abraço de desgraça bastante para o seu corpo tão cabisbaixo ao longe, tão corcovado sem alma. Tombado de morte.

Rúben De Brito

terça-feira, 13 de julho de 2010

um Teu Idiotismo

"O rosto enganador deve ocultar o que o falso coração sabe."

William Shakespeare

           Passam transeuntes-marinheiros nos caminhos de pedra ordinários de cuspo defronte de mim. Meu rosto estátua de mármore negro sepultado num olhar de crepúsculo. Olho-os com neblina bastante em meus pés da Consciência que chora a ceguez nítida de dias longos de emoção.

          Enquanto passam solas gastas de tempo e ponteiros cansados de milénios, velo em silêncio os transeuntes-marinheiros de perturbação moral que transpõem locais. A sensibilidade que satisfaz nas dedadas de cada letra escrita permanece lugubremente em base de túmulo, no sossego execrável, no escrutínio das decisões, e por ora eu estátua-viva num olhar forte e fixo em idiotismos de face esquecida.

          Exprimo por palavras esta incapacidade de toque - um transeunte que não marinheiro nem corpo publicamente conhecido, um anónimo gesto com forma humana que não fiel nem hostil; este todo que constitui unidade orgânica e inorgânica repassou em mim sobranceria menosprezadora. Grassa em meu corpo o inútil da pedra não de mim, mas da ausência da jangada de negligência em me não aguardar por períodos de tempo na disposição de afectos - não os sei partilhar a todo o instante, magis o que sinto é porventura excelso.

          Passou mais um tronco humano que se tornou alheio à minha sepultura caiada de pele.

Rúben De Brito

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Regismo

"A mais trágica face é aquela que não tem alma."
Rúben De Brito

A dor que o sol doira lá fora
É a alma de um Rei morto;
Mas passa serena a hora
De um trono que jaz absorto.

Um Rei sem olhos nem mãos,
Nem trono onde dormir;
Morre em sonhos vãos,
E a face aguda por definir...

E no corpo do Rei está
Um sonho da breve vida -
É aquilo que não há,
A face do Rei perdida.

Rúben De Brito