terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A Deus

Almada, 23.01.12

    O meu pensamento tem sido somente Deus. Nos últimos tempos teimo em encontrá-lo. Esta procura ressurge em mim de um modo tão premente. Acorda e adormece comigo esta dicotomia entre Homem e Deus; assombra-me a realidade de sair de casa e, pelo corredor do patamar, encontrá-lo á minha espera, por duas razões, a saber: não ter aberto a porta de casa quando Ele bateu e eu não ouvi, nem ter a esparsa esperança da Sua existência. Se porventura achar tal Trindade ajoelhar-me-ei, pedindo perdão.

    Em todos os rostos tenho-O visto a olhar para mim, e nunca me sorri, nunca teve um hábil gesto de simpatia ou generosidade. Tem-me castigado com pensamentos desertores da minha própria identidade. Tenho sofrido o mesmo que Ele – Inimizade e Desacreditação.  Nunca tive tanta gente ao meu lado, não obstante, tenho mergulhado numa solidão interior maior que nunca, nas trevas do meu abismo humano. Não existe compreensão possível para isto, não existe nada além do meu receio de expressar a angústia castradora do meu pensamento.

    Todos os dias mutilo-me um pouco mais na esperança de encontrar Deus em mim. Espremo a Bíblia ao peito como se dela pingasse um Deus glorioso que me conceda a salvação do ser. O meu medo não é o de morrer ou pecar e ser punido perante um julgamento cheio de gente celestial; o meu medo é o sofrimento da vida e o pensar que só existe o plano físico do universo.

    Rezo quando considero necessário, acredito-O quando me convém, e isto porque o meu pensamento diz que Deus não existe, mas os meus olhos querem vê-Lo e a minha boca chama-O. 

Rúben De Brito

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Auto-ESTÓICO

“Ele leva uma vida plena, sem o vazio da minha. Não tenho nada porque não o tenho.”
Frida Kahlo

Uma conversa extensamente mantida, pelo acaso do dia e pelo ocaso da minha juventude e de muitos outros pensantes malditos como eu, surgiu entre duas pessoas. Uma delas com um vestido coberto pelo torpor óbvio do lusco-fusco, com uma mão petrificada em tristeza apoiando o seu queixo, delicado e ideal, sobre ela; seus olhos cegos e pálidos descaídos sobre o longo tecido que seu corpo cobria. Anéis de um diamante translúcido.

A outra pessoa, cuja entidade pareceu-me nitidamente masculina, é de estatura alta, um assinante de críveis tertúlias. Seu corpo parecia de bebé. Ora, as suas mãos delicadas e longas, seu corpo de tez clara, seus olhos esbugalhados e debruçados sobre qualquer imagem humana e seus lábios perfeitos, na minha consciência exageradamente perfeitos. Todo seu corpo reunia toda a perfeição imaginária, mas por infelicidade de muitas brutais mulheres e de muitos monumentais homens, o seu pé esquerdo fora petrificado, em semelhança à da mulher muito nova. Uma deficiência anormal – cada dedo-pedra de pobre valor entrelaçado por grinaldas de virgens lírios.

Dois malditos olhando-se fixamente. Jaziam em pedra em dois membros e um dos lábios. Os lábios dela eram de carne, os dele de uma solidão pura, de um sofrimento cáustico não de pedra, mas sim de vazio. Aquilo que transportava sobre a face era uma imaginação possível em cada um de nós. Eles amavam-se. Quando o amor é verdadeiro dá-se o final de um Universo, e nasce outro.

A alma de ambos era um novo céu, uma nova admiração, um novo gesto e uma nova palavra entre beijos. Ele disse «Um dia terei um poema muito triste para contar…», a mulher endeusada respondeu «podes-mo contar, sem alegrias nem tristezas, sem homens nem mulheres, sem nada que possa existir, pois tudo o que é Amor tem um ritmo triste e confundimo-lo com melancolia», enquanto chorava aquele homem sem boca decorada de vermelho, continuou «É hoje a minha vida uma verdade justa.».

A voz frágil do funesto ser soou «Reparei hoje que a grade da janela do meu espaço estava forçada. Alguém tentou lá entrar. Miséria infinita a do ladrão que, ao entrar, teria apenas uma alma infeliz. De que lhe serviria um espectro nu? Tudo o que tenho, com a certeza absoluta que ninguém me tira, é minha alma, coberta de translucidez do Universo, de imperfeições da Humanidade e de outras coisas… Sonhei-me um homem grandioso. Espera: pior ainda! Sonhei-me dono de qualquer virtude e sobrou-me a mais física de todas elas, a insatisfeita de todas elas e conheço-a senão por miséria.».

Quem disse que os homens não podem chorar foi uma mulher que nunca chorou.

As duas figuras malogradas permanecem no silêncio, porque era apenas eu sentado a um canto relembrando imagens e palavras inauditas, que me tocaram no cérebro e que cá permanecem. Esta história é minha, muito possivelmente, ou real que aconteceu numa paisagem distante que nunca vi, nem lá estarei.

Não sei se amei a pessoa de quem falo, sei que amaldiçoei aqueles dois pobres jovens pois meu coração é uma pedra lascada para parecer realmente um órgão. Mas Relembro-Te à distância do Tempo e à quilometragem do espaço. O maior amor que eu possa viver será a minha sentença de morte, depois minha alma será amada como um Rei numa existência distante, no meio da pobreza e do sonho.

Rúben De Brito

domingo, 5 de setembro de 2010

ULTRA-desconhecimento

É frequente desconhecer-me – o que sucede com frequência aos que se conhecem.

Bernardo Soares

Como que uma doença intransmissível que existe em minha alma apenas e que destrói a integridade de meu corpo defronte dos outros e para com eles. Tenho a noção da totalidade existente completamente descontrolada, tudo o que sabia perdi, e não sei mais. O que vejo desperta em mim uma tristeza enorme por já não saber o que é e para que serve – o resultado, em princípio, seria a felicidade enorme em ser uma coisa desconhecida; mas sabendo que já tudo soube, esmoreço. Nada desperta satisfação ou coisa que me valha.
Aprendi vários dos valores da vida no silêncio das coisas; a ignorância a todas elas poupou-me a inúmeras emoções, porém, não me salvaguardando da enorme tristeza de um adeus múltiplo e complexo do mundo. Cheguei, hoje, à conclusão da miséria humana. Já só posso sonhar que sei e, quando acordo, toda a ausência do conhecimento transforma-me no aborto intelectual que o Universo concebeu. Para o Universo não pensar cada corpúsculo de matéria formou uma lei soberana a qualquer decisão; eu, para não poder pensar, sou parte do Universo Todo-grandioso e tão amplo que nem o mais genial espécime humano poderia colocá-lo num plano de pensamento cerebral.

O que escrevo torna toda a existência, a partir de hoje, na massa mais irrisória possível.

O desespero de ter de haver para cumprir leis é um turismo condicionado à concentração de banalidades complexas e perfeitamente tristes. Todos os factos do destino disto e daquilo bate de encontro com minha cabeça – todo um mistério universal que não requer nada senão movimentos deterministas. Sou livre como uma ordinarice de uma outra qualquer rua que não tem nome nem forma nem lugar para ser vista pelos olhos. O que sei de mim não é imitado por ninguém – esqueci-me dos viajantes das gentes banais e de todo o descanso que relembro a Sociedade em deslocação. O que sei é longínquo e tão diferente que, por isso, não deveria existir. Tudo o que fui, talvez dúvidas contempladas em morros de um pensamento sem utilidade, esqueci e vivo sem incómodos por ninguém e por nada. Tudo o que imagino é de uma intensidade incomparável.

O sofrimento em que fico por perder a ilusão é uma vaga morte da minha alma sensível. E sento-me sobre um banco de graça de pedra com fantasias de monumentalismos ao longe, como que palácios meus, que hoje são desertos. Vivo sempre a perda de tudo com um contacto de uma estreiteza fatidicamente final – e estou triste porque sei ser livre num exílio impossível

De burguesas insatisfações.

Rúben De Brito

quinta-feira, 29 de julho de 2010

de isoladas Saudades


"Que estranho destino é o meu que apenas me consente paixões ardentes e me faz esgotar em amores improváveis."

José Manuel Saraiva

          Passo, ainda jovem, neste perfeito caminho de paixões - se abrasadoras ou não, são erros humanos desprovidos de primor aos olhos meus.

          Passar, atento, sequioso por sentimento que induz a aproximar verdadeiro é repugnar a magestosa situação da paixão - amar temporária e descabidamente dando tudo em momentos poucos. Acções reprováveis.

          Jovem, pálido de tédio, numa procura obstinada. Todos os homens sabem falar da grandiosidade de um destino afectuoso, mas poucos (os poetas e os outros artistas) souberam misturá-lo entre a impressão viva. Enfâse da sensação inclinada à invocação da Morte, este merecedor destino feito de atalhos de um crepúsculo desumano desenhado em horizontes a extinguir.

          Todos os homens, os que falam ignorante e sabiamente, são um desalinho de corpos perdidos em definições que perturbam o pensamento. Os filósofos entretêm-se com óptimas teorias, os restantes dicionarizam uma genética em falta de humanidade racional. Afinal, que destino este de paixões inúteis e amores pseudo-omnipresentes?!

          Estas horas de angústias amorosas desordenam-me de todas as formas – memórias vãs, personagens do meu romance vil, actores que figuram ideias perdidas em meus ombros cansados de enfado e de vergonhas que, a pouco e pouco, assassinaram minha alma.

          Os braços e costelas destas gentes, enquanto ilustrações da existência de facto, sabem ser desprezíveis sem terem mão por onde pegar.

          Com isto, em em resposta ao fastio do crescimento humano que sofro, compro cigarros e fumo-os como quem não sente a vida, como um coitado perdido sem dúvidas que abatam a curiosidade. A dor que sinto, quer seja minha ou não, é um conjunto de sensações que infligem meus gestos como um grande crime a um sujeito sério que nunca passa por uma esquina - decerto que esta imagem não caía bem defronte da Estética confundia por Ética.

          Amanhã esquecê-los-ei. Merecerão medalhão dos tempos idos como troféus vencidos na vingança do sonho que fomos. Sem dúvida... o meu sorriso, de agora, de insatisfação pelo que me haveria de restar diante de todos...

          Ninguém permite a nua visão semelhante àquelas histórias dramáticas, deixadas sem pudor no esquecimento - saco de batatas podres que outrora de entertenimento serviram à pátria.

           Falhei nos amores improváveis por serem colares de pérolas de uma entidade desconhecida que não eu. Estou nítido sem conforto nas minhas mãos embelezadas, no corpo intocável com ares de virgens flores de jardim, nos olhos rasgados de verdes entrelaçados com castanhos, no alcantilado nariz que trago sobrea face aguda.

          Ainda hoje me gozam e pasmam-se pela minha consciência incorpórea e, aos olhos seus, são embustes em formas de pedra para os agredir na segredada emoção pessoal. É um momento indelével com vagos desânimos enormes.

         São as estações indefinidas que me tornam uma magnificência literária com sóis buliçosos de amar. Sim! O Amor e a Paixão desfazem-se em ironias que faltavam no redemoinho da Humanidade, são sonos intensos argumentados como meditações de enclausuras abafadas na irregularidade do sentimento.

          Se é para amar fá-lo-ei com uma própria despedida,

de isoladas Saudades.

Rúben De Brito

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Cabisbaixez

"O micro-conto é uma sequência de pensamentos organizados e sintetizados em breve linhas."

Rúben De Brito

          Reparo, através de uma gótica porta, no corpo cabisbaixo de um senhor grisalho. Pensar-lhe o esboço de ideias é-me impossível de realização com certeza. Todo o ser é complexo, não porque seja concebido em matéria orgânica e inorgânica, mas antes pelos actos de um alvará rubricado numa distância apartada onde tudo já foi feito.

          A Realidade está sempre antes de nós, e antes desta uma espécie de pré-Realidade - impera a pureza da essência de cada corpúsculo existente no que é concebivelmente pensado, mas inconcebivelmente palpável. Atingi contacto com esta forma de certeza onde só os sensíveis conseguem chegar com adesão absoluta e voluntária do espírito do facto, se verdadeiro ou não verdadeiro, se apenas atómico ou se não atómico. O Homem está em toda a Realidade, no que está antes e depois.

          O homem, cabisbaixo grisalho e alto, não mantém conversação em qualquer género; se falar, quiçá, são banalidades cuja natureza permanece tão irrisória que o seu pensamento escapa-se-me pelo vazio entre o Consciente e o Inconsciente, que nunca é senão a Intolerância dos mais sábios perante aqueles que pouco conhecem da Vida - desde conceitos básicos a fórmulas quânticas.

          O homem, cabisbaixo grisalho alto e de corpo esquivo, forma juízos pois é a sua chave d'ouro para uma compreensão trivial de si, desprovida de qualquer desejo e ambição, visível de quietude naquele local; seu destino marcado sobre a face cansada de trabalho e tabaco. Os braços com musculos relaxados, dissolutos de movimentos, parece-me, devido ao tédio quotidiano, e a boca com pele franzida de tanto mexer os lábios de nervosismos.

          O crepúsculo cessa-lhe o ciclo de um dia em que, de igual modo, tantos micro-organismos usufruiram de escassos segundos de vida e, ele, tão velho cansado e cabisbaixo de infortúnio gozou demais um momento de indiferença pura com um abraço de desgraça bastante para o seu corpo tão cabisbaixo ao longe, tão corcovado sem alma. Tombado de morte.

Rúben De Brito

terça-feira, 13 de julho de 2010

um Teu Idiotismo

"O rosto enganador deve ocultar o que o falso coração sabe."

William Shakespeare

           Passam transeuntes-marinheiros nos caminhos de pedra ordinários de cuspo defronte de mim. Meu rosto estátua de mármore negro sepultado num olhar de crepúsculo. Olho-os com neblina bastante em meus pés da Consciência que chora a ceguez nítida de dias longos de emoção.

          Enquanto passam solas gastas de tempo e ponteiros cansados de milénios, velo em silêncio os transeuntes-marinheiros de perturbação moral que transpõem locais. A sensibilidade que satisfaz nas dedadas de cada letra escrita permanece lugubremente em base de túmulo, no sossego execrável, no escrutínio das decisões, e por ora eu estátua-viva num olhar forte e fixo em idiotismos de face esquecida.

          Exprimo por palavras esta incapacidade de toque - um transeunte que não marinheiro nem corpo publicamente conhecido, um anónimo gesto com forma humana que não fiel nem hostil; este todo que constitui unidade orgânica e inorgânica repassou em mim sobranceria menosprezadora. Grassa em meu corpo o inútil da pedra não de mim, mas da ausência da jangada de negligência em me não aguardar por períodos de tempo na disposição de afectos - não os sei partilhar a todo o instante, magis o que sinto é porventura excelso.

          Passou mais um tronco humano que se tornou alheio à minha sepultura caiada de pele.

Rúben De Brito

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Regismo

"A mais trágica face é aquela que não tem alma."
Rúben De Brito

A dor que o sol doira lá fora
É a alma de um Rei morto;
Mas passa serena a hora
De um trono que jaz absorto.

Um Rei sem olhos nem mãos,
Nem trono onde dormir;
Morre em sonhos vãos,
E a face aguda por definir...

E no corpo do Rei está
Um sonho da breve vida -
É aquilo que não há,
A face do Rei perdida.

Rúben De Brito

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Homenagem ao Teu CORPO*

"Se não te atrasares demais, posso esperar-te a minha vida inteira."
Oscar Wilde


          Sentir-Te PERTO, corpo delicado como malmequeres em exortação alegre pela claridade do astro-GIGANTE, da estrela-Mãe que nos aquece pelas saliências dos nós dos dedos, pelos declives das faces curvas, pelo estreitar forçado de pensamentos apaixonados...

          Sentir-te LONGE, corpo glacial e morto em meu pensamento, como lírios esquecidos no vazio - pálidos de escuridão na alameda distante, num vigor anormal fora de tempo; erectos em filamentos naturais, doloridos, alheios. Eu, mais que todos, poder-Te-ia imaginar distante e infinito...

          Sentir-Te CORPO malifluamente deitado sobre o meu, bebendo átomos de anemias amorosas - ambos um pássaro de fogo, rasgando cascatas de Sonho, conquistando Distâncias inconcebíveis. Este AMOR num resurgir espontâneo e imediato em descompasso vestido de ritmos. (Tudo o que amei e amo parece-me falso!)

          AH! Continuo SONHANDO-Te magistral, CORPO-príncipe surreal no sono subatomicamente eterno que os deuses te deram em meu pensamento..., dormindo com lábios cosidos em carmim, de olhos desenhados em espanto, de corpo fabricado em algodão. (Teu-todo é um choro de febre que tenho nesta gare!)

Rúben De Brito

*(Homenagem em processo de análise para publicação em livro, título temporário: «O Pierrot Absurdo»)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Desconsciência

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."

José Saramago

Tenho trazido em pensamento uma mágoa que ecoa num espaço que disponho por intervalos de diálogos.

Justifico-me, agora, que todas as vezes em que me não compreenderam, em que tencionaram o quão erróneo estive em certas posições, digo, e abro sinceramente aquilo que me considero e que muitos também: sou um jovem esquizofrénico - digo isto, e posto de parte, lamento-me; sei-o melhor que muito bons homens em meu redor pensam saber. Transporto um desfasamento mental, não o considero doença. Aliás, se um psicólogo chegou a pensar o mesmo de mim, por que razão óbvia não poderei ter eu toda a legítima certeza deste permanente descompasso?

Por outro lado, mais claro para mim, mais difícil de expressar para outros, sou um génio - distingo a obra que tenho construído, que gravo com enchentes de letras, há alguns anos. Reconheço que, após isto, reconheçam de igual maneira a minha loucura.

Escrevo com aflição: aprendi a observar a verdadeira essência humana, e dos seus justos valores. O estádio último a chegar, a Pureza. Sigo um caminho de sofrimento, interior e só, para lá poder bastar. Quando atingir esse nobre valor a permanência da minha vida neste mundo deixará de possuir merecimento humano e passará, por sua vez, a valentia vital póstuma. Vital para aqueles que nascem para construir um filho-intelectualizado, com arte e ciência.

Não sou compreendido porque escrevo para a posteridade. Não pensem, porém, que provarei a minha esquizofrenia e a minha prazenteira índole genial nesta página, pois não o farei, claro está.

Quem gozar de curiosidade pouca a fim de conhecer a complexidade de outrem, oiça os mortos ruídos que ecoam por entre intervalos de diálogos que se têm com muita gente. Em mim permanece apenas! o sentido lógico de atingir a Pureza por intermédio de uma arte, na procura da expurgação da alma (alma é o que considero, em grosso modo, pensamento), neste caso a Literatura.

Rúben De Brito

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Vanitas Vanitatum


"É nestas horas de um abismo na alma que o mais pequeno pormenor me oprime como uma carta de adeus."
Bernardo Soares


O copo de vinho e o seu reflexo, a abundância de comida, o relógio, a pilha de livros e os instrumentos musicais bebo pela a ausência do teu corpo em disposições frustradas, em pensamentos inimigos vestidos de nudez. Sinto-te corpo e alma na mais serena das horas da minha tarde triste. Penso-te, enquanto vivíamos felizes, numa justa filosofia espontânea e criativa, o cosmos inteiro nú, a metafísica íntima.

Os nós do teu corpo que a minha paixão teceu seriam, quem sabe, a medida certa para a vaidade pagã do meu coração equilibrado, no sofrimento certo para a procura difícil, mas majestosa, da pureza. Toda a riqueza da tua falsidade serviu-me e matou-me a fome, a sede, infinita e absolutamente desértica, permaneceu. O meu amor desfeito, o rodopio da minha felicidade etérea bóia em caixotes de recordações e, todas as minhas afeições por ti, como ninguém as teve porque as tive altivamente, passam pela alma - a dor inóspita do pensamento que supus não ter.

Absurdo escrever isto por sempre te amar, ou mesmo não amar com a amargura no estômago e no cérebro, relacionando-os somente fonte de tédio e cansaço.

Cumpro, num ritual que consiste numa franca pândega de alameda, a realidade vendida aos outros, sentindo o meu corpo ser tratado como esquecimento numa noite extraordinária em que todos saem à rua e eu, enfim, corrente estagnada no exílio da paixão consagrada. Espontaneidade - para quê tê-la se foi com ela que sofri?

Concebo-me fome e sede de reflexos de copos de vinho feitos em manicómios, concebo-me tempo e espaço em relógios abundantes em paisagens e gentes fictícias, concebo-me livros num túmulo morto e escuro com a sabedoria dirigindo a vitalidade, concebo-me intrumentos musicais tocados com pulmões e corações e músculos das tuas mãos gigantes e delicadas e, no fim de tudo, dos artífices, das tragédias, das inutilidades, de tudo mesmo!, nunca sonhei, senão porém, o Amor doído.

Rúben De Brito

segunda-feira, 7 de junho de 2010


Divina Dor

"Cheguei hoje, de repente,a uma sensação absurda e justa."

Bernardo Soares

[...] PLANEIO, nesta minha vaidade da cabeça, a parte breve do esquecimento destes meus poemas eternos.

Sempre com a fadiga dentro da humilhação em mim, e não poder ser eu senão um corpo esquecido, cansado e vão no meio destas Sociedades grandes!; deste mesmo modo sucedeu a desilusão. Toda a minha fraqueza tem esta subtileza indesmentível.

É natural que a minha estação espectral - a da alma - seja só minha por ser Esta!, por poder ser Eu (só Eu!) a senti-la!

Um sonho que não esqueço, pois ao tê-lo todos me apontaram o dedo com uma precisão incrível de o saber apontar. O meu medo de os olhar são os últimos gestos a agir, bem como magoadas estão as células do meu corpo esquisito com dedos de indiferença e pés de sombra e um cabelo de véus, por carnificina. A minha sensação externa de fumar um cigarro desperta-me do sonho - bruma iníqua - e dói, e dói para que se saiba que todas as coisas começam...

Foi a Existência que criou em mim a febre do acaso do Destino, e as justas posições de desilusão em fardos e os termos correctos em fórmulas que continuarão na minha criação, sem vestígios defronte dos outros.

Tenho consciência das paredes umbilicalmente ligadas e assexuadas entre si, e dos átomos inteligentes que me compõem; o que abomino é realmente náusea de tudo que o sonho me provoca. Interrogo-me com critério se tudo isto que tem rotação própria é ainda um assombro das imaginações de infância ou mera e ordinária prosa do meu amor perdido... Mas a dor física é maior que toda a criação, mais sublime, e a sua inofensividade ainda maior, afectando contudo todo o meu Consciente-nado.

[...] Estou neste meu corpo como num quarto antigo que suponho apenas com a anemia do pensamento solto, religiosamente livre, metafísico e não havendo ninguém no seu interior.

Rúben De Brito

sábado, 5 de junho de 2010


DANI-FIDENI

A rosa que me deste era um cipreste
com a gola de túmulos anónimos
espetada no coração que me nasceu nas costas
com a ausência da seda humana.

O teu corpo com fios desenhado
dentro de uma gaiola de alcatrão
e com a certeza de uma colher
à distância INDEFINIDA em ti.

O teu cabelo desencaracolado com a falta
dos olhos últimos
franjado da incerteza infinita...
Amar-te com uma altura negativa,
a quilómetros de um garfo sem dentes
com um sorriso de massas
com uma FÓRMULA no queixo
com uma imaginação fora do pêndulo -
preso à ponta de um ponteiro sem corda

Um vidro aprisionado na pétala
com um reflexo de primaveras
de suspirar profundo e com pernas.
ESORCEQUIDOMA - ...
O teu peso em mim com um beijo debaixo do braço

O absurdo dos teus olhos com cabeças desenhadas
com a tua imagem de perfil no horizonte,
Aquele-Que-Amo EXAGERADAMENTE!
Rúben De Brito


Primeira Saudação

Viajo sobre a tristeza do destino, sem querer saber do quão correctos estão os mapas, nem os pontos cardeais. Tenho em mim, biologicamente, o caminho certo - o esquecimento da anemia da minha consciência; uma só coisa acrescento à vida que sempre me varreu o corpo desde pequeno, uma só coisa acrescento ao dia por onde inúmeras vezes fui feliz, acrescento a alma da compulsão do meu sonho, das paisagens da carne, das cartas para não mais mandar, embora quase única a tenha feito, e sem vestígios.

Sinto-me próximo da verdade da viagem inacabada, sem cabeça nem dentes, sem amor, apenas vida por ser ela e nada mais! As intercalações dos meus devaneios - guardados em lágrimas de papel - que falem e contem as histórias por mim.