sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Auto-ESTÓICO

“Ele leva uma vida plena, sem o vazio da minha. Não tenho nada porque não o tenho.”
Frida Kahlo

Uma conversa extensamente mantida, pelo acaso do dia e pelo ocaso da minha juventude e de muitos outros pensantes malditos como eu, surgiu entre duas pessoas. Uma delas com um vestido coberto pelo torpor óbvio do lusco-fusco, com uma mão petrificada em tristeza apoiando o seu queixo, delicado e ideal, sobre ela; seus olhos cegos e pálidos descaídos sobre o longo tecido que seu corpo cobria. Anéis de um diamante translúcido.

A outra pessoa, cuja entidade pareceu-me nitidamente masculina, é de estatura alta, um assinante de críveis tertúlias. Seu corpo parecia de bebé. Ora, as suas mãos delicadas e longas, seu corpo de tez clara, seus olhos esbugalhados e debruçados sobre qualquer imagem humana e seus lábios perfeitos, na minha consciência exageradamente perfeitos. Todo seu corpo reunia toda a perfeição imaginária, mas por infelicidade de muitas brutais mulheres e de muitos monumentais homens, o seu pé esquerdo fora petrificado, em semelhança à da mulher muito nova. Uma deficiência anormal – cada dedo-pedra de pobre valor entrelaçado por grinaldas de virgens lírios.

Dois malditos olhando-se fixamente. Jaziam em pedra em dois membros e um dos lábios. Os lábios dela eram de carne, os dele de uma solidão pura, de um sofrimento cáustico não de pedra, mas sim de vazio. Aquilo que transportava sobre a face era uma imaginação possível em cada um de nós. Eles amavam-se. Quando o amor é verdadeiro dá-se o final de um Universo, e nasce outro.

A alma de ambos era um novo céu, uma nova admiração, um novo gesto e uma nova palavra entre beijos. Ele disse «Um dia terei um poema muito triste para contar…», a mulher endeusada respondeu «podes-mo contar, sem alegrias nem tristezas, sem homens nem mulheres, sem nada que possa existir, pois tudo o que é Amor tem um ritmo triste e confundimo-lo com melancolia», enquanto chorava aquele homem sem boca decorada de vermelho, continuou «É hoje a minha vida uma verdade justa.».

A voz frágil do funesto ser soou «Reparei hoje que a grade da janela do meu espaço estava forçada. Alguém tentou lá entrar. Miséria infinita a do ladrão que, ao entrar, teria apenas uma alma infeliz. De que lhe serviria um espectro nu? Tudo o que tenho, com a certeza absoluta que ninguém me tira, é minha alma, coberta de translucidez do Universo, de imperfeições da Humanidade e de outras coisas… Sonhei-me um homem grandioso. Espera: pior ainda! Sonhei-me dono de qualquer virtude e sobrou-me a mais física de todas elas, a insatisfeita de todas elas e conheço-a senão por miséria.».

Quem disse que os homens não podem chorar foi uma mulher que nunca chorou.

As duas figuras malogradas permanecem no silêncio, porque era apenas eu sentado a um canto relembrando imagens e palavras inauditas, que me tocaram no cérebro e que cá permanecem. Esta história é minha, muito possivelmente, ou real que aconteceu numa paisagem distante que nunca vi, nem lá estarei.

Não sei se amei a pessoa de quem falo, sei que amaldiçoei aqueles dois pobres jovens pois meu coração é uma pedra lascada para parecer realmente um órgão. Mas Relembro-Te à distância do Tempo e à quilometragem do espaço. O maior amor que eu possa viver será a minha sentença de morte, depois minha alma será amada como um Rei numa existência distante, no meio da pobreza e do sonho.

Rúben De Brito

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