segunda-feira, 14 de junho de 2010

Vanitas Vanitatum


"É nestas horas de um abismo na alma que o mais pequeno pormenor me oprime como uma carta de adeus."
Bernardo Soares


O copo de vinho e o seu reflexo, a abundância de comida, o relógio, a pilha de livros e os instrumentos musicais bebo pela a ausência do teu corpo em disposições frustradas, em pensamentos inimigos vestidos de nudez. Sinto-te corpo e alma na mais serena das horas da minha tarde triste. Penso-te, enquanto vivíamos felizes, numa justa filosofia espontânea e criativa, o cosmos inteiro nú, a metafísica íntima.

Os nós do teu corpo que a minha paixão teceu seriam, quem sabe, a medida certa para a vaidade pagã do meu coração equilibrado, no sofrimento certo para a procura difícil, mas majestosa, da pureza. Toda a riqueza da tua falsidade serviu-me e matou-me a fome, a sede, infinita e absolutamente desértica, permaneceu. O meu amor desfeito, o rodopio da minha felicidade etérea bóia em caixotes de recordações e, todas as minhas afeições por ti, como ninguém as teve porque as tive altivamente, passam pela alma - a dor inóspita do pensamento que supus não ter.

Absurdo escrever isto por sempre te amar, ou mesmo não amar com a amargura no estômago e no cérebro, relacionando-os somente fonte de tédio e cansaço.

Cumpro, num ritual que consiste numa franca pândega de alameda, a realidade vendida aos outros, sentindo o meu corpo ser tratado como esquecimento numa noite extraordinária em que todos saem à rua e eu, enfim, corrente estagnada no exílio da paixão consagrada. Espontaneidade - para quê tê-la se foi com ela que sofri?

Concebo-me fome e sede de reflexos de copos de vinho feitos em manicómios, concebo-me tempo e espaço em relógios abundantes em paisagens e gentes fictícias, concebo-me livros num túmulo morto e escuro com a sabedoria dirigindo a vitalidade, concebo-me intrumentos musicais tocados com pulmões e corações e músculos das tuas mãos gigantes e delicadas e, no fim de tudo, dos artífices, das tragédias, das inutilidades, de tudo mesmo!, nunca sonhei, senão porém, o Amor doído.

Rúben De Brito

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